por Afonso Peche Filho
Pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas

As matas ciliares, também conhecidas como florestas ripárias, constituem ecossistemas estratégicos no equilíbrio hidrológico e na proteção de corpos hídricos. Situadas às margens de rios, córregos, lagos e nascentes, desempenham funções ecológicas essenciais, como a filtragem de sedimentos, a retenção de nutrientes, o controle da erosão e a conservação da biodiversidade. Contudo, a degradação progressiva desses ambientes, causada principalmente por práticas agrícolas inadequadas, ocupações irregulares e desmatamentos ilegais, exige a implementação de estratégias de gestão ambiental eficaz, que atuem integradamente sob três dimensões complementares: a gestão administrativa, a gestão gerencial e a gestão operacional.

1. Gestão Administrativa Ambiental: o aparato normativo e institucional.

A gestão administrativa ambiental das áreas ciliares está ancorada na legislação ambiental e nos instrumentos institucionais de controle, fiscalização e regularização fundiária. No Brasil, as matas ciliares são protegidas como Áreas de Preservação Permanente (APPs) pelo Código Florestal (Lei n.º 12.651/2012). Essa designação implica que, independentemente do estágio de conservação, uso ou ocupação, essas áreas devem ser preservadas ou recuperadas conforme os critérios legais.

A atuação administrativa envolve:

  • Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a definição de passivos ambientais nas propriedades;
  • Termos de Compromisso de Recuperação firmados entre produtores e órgãos ambientais;
  • Planos de Regularização Ambiental (PRAs), que determinam metas, prazos e etapas para recomposição da vegetação nativa;
  • Aplicação de instrumentos de comando e controle, como autos de infração, embargos e notificações;
  • Integração de políticas públicas setoriais (meio ambiente, agricultura, recursos hídricos) nos níveis municipal, estadual e federal.

Além disso, exige-se o fortalecimento institucional das Secretarias de Meio Ambiente e Conselhos Municipais, garantindo mecanismos efetivos de governança ambiental descentralizada. A transparência nas ações públicas, o envolvimento comunitário e a padronização de procedimentos administrativos são fundamentais para o sucesso das ações.

2. Gestão Gerencial Ambiental: uso sustentável, funções ecológicas e reconversão produtiva.

A gestão gerencial ambiental das áreas ciliares aborda os aspectos estratégicos de uso, conservação e restauração desses ambientes, considerando sua função ecológica e sua inserção na paisagem produtiva. Ao contrário de tratar essas áreas como “espaços improdutivos”, a abordagem gerencial moderna reconhece seu valor ecológico funcional e seu papel na sustentabilidade territorial.

A gestão gerencial deve:

  • Planejar ações de recomposição florestal com espécies nativas, respeitando a estrutura ecológica original (estratos arbóreo, arbustivo e herbáceo);
  • Priorizar a conectividade ecológica com fragmentos florestais próximos e corredores de biodiversidade;
  • Estimular a conservação ativa, como o enriquecimento de matas ciliares com espécies polinizadoras, frutíferas nativas e plantas com valor socioeconômico;
  • Avaliar o potencial de uso ecossistêmico e social das matas ciliares, como atividades de educação ambiental, turismo sustentável, extração de produtos florestais não madeireiros (PFNMs);
  • Identificar áreas críticas de degradação e risco de erosão para ações prioritárias de restauração.

Nesse sentido, a gestão gerencial dialoga com os princípios da ecologia da paisagem, buscando harmonizar o uso da terra, a conservação dos recursos naturais e a dinâmica socioeconômica local. Também envolve a integração com práticas agrícolas conservacionistas no entorno, como SAFs (Sistemas Agroflorestais), sistema plantio direto, terraceamento, obras hidráulicas e o uso de bioinsumos.

3. Gestão Operacional Ambiental: práticas, procedimentos e indicadores

A gestão operacional ambiental refere-se à implementação concreta das ações planejadas, garantindo a efetivação dos objetivos de proteção e restauração das matas ciliares. Essa dimensão operacionaliza o que está previsto nos planos e políticas por meio de práticas técnicas padronizadas, protocolos de execução e indicadores de monitoramento.

As ações operacionais mais relevantes incluem:

3.1. Diagnóstico técnico-operacional

  • Levantamento de cobertura vegetal, tipos de solo, uso atual e histórico da área;
  • Identificação de espécies nativas remanescentes e grau de regeneração natural;
  • Georreferenciamento e mapeamento de áreas prioritárias.

3.2. Restauração ecológica

  • Escolha de métodos de restauração (natural assistida, nucleação, plantio total);
  • Definição de espaçamento, mudas e sementes adaptadas às condições locais;
  • Implantação de barreiras físicas ou biológicas para contenção de processos erosivos;
  • Monitoramento de sucesso da restauração com indicadores como sobrevivência das mudas, cobertura do solo, presença de fauna, biomassa vegetal.

3.3. Proteção física e manutenção

  • Isolamento da área com cercas ecológicas (evitando entrada de gado ou acesso indevido);
  • Controle de espécies exóticas invasoras (como braquiária e leucena);
  • Manutenção periódica da área restaurada, principalmente nos primeiros 3 anos.

3.4. Participação comunitária e capacitação

  • Realização de oficinas técnicas, mutirões e ações educativas nas comunidades locais;
  • Inclusão de agricultores e proprietários rurais nos processos de recomposição;
  • Apoio técnico e extensão rural voltada à autonomia ecológica das comunidades envolvidas.

A dimensão operacional deve dispor de instrumentos de acompanhamento, como fichas de monitoramento, fotografias georreferenciadas, medições de cobertura vegetal e relatórios periódicos. O uso de tecnologias como drones, sensores remotos e SIG (Sistemas de Informação Geográfica) pode auxiliar na precisão e na escalabilidade das ações.

4. Integração entre os três níveis de gestão

A efetividade da gestão ambiental de áreas ciliares depende da articulação sinérgica entre as três dimensões apresentadas. A gestão administrativa fornece o arcabouço jurídico e institucional; a gestão gerencial estabelece as estratégias de uso e conservação ecológica; e a gestão operacional garante a execução técnica qualificada. Isoladamente, cada uma delas é insuficiente para garantir a restauração plena e funcional desses ecossistemas. Juntas, formam um sistema integrado de governança e ação ambiental.

O papel do município é estratégico nesse contexto. Com a municipalização da gestão ambiental, muitos municípios passaram a ter competência legal para licenciar e fiscalizar atividades em APPs, assumindo maior protagonismo. A criação de Planos Municipais de Conservação de Matas Ciliares, vinculados a Planos Diretores e Zoneamentos Ecológico-Econômicos, pode estabelecer diretrizes mais precisas e participativas para essas ações.

Considerações finais

A gestão ambiental de áreas ciliares representa um desafio técnico, político e social. Mais do que obedecer a uma exigência legal, restaurar e proteger esses ecossistemas é reconhecer seu papel vital na resiliência ecológica dos territórios. Ao articular gestão administrativa, gerencial e operacional, é possível construir uma abordagem integradora, que vá além da recuperação passiva e promova a regeneração ativa da paisagem.

Nesse processo, torna-se essencial capacitar técnicos, envolver comunidades, garantir recursos financeiros e monitorar continuamente os resultados. As matas ciliares, ao serem geridas com competência e sensibilidade ecológica, não apenas protegem os cursos d’água, mas ajudam a construir um novo paradigma territorial, onde a produção e a conservação coexistem em equilíbrio.

Publicado em

2/julho/2025

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